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sexta-feira, 13 de agosto de 2010

ESCUTATÓRIA
                          - Rubem Alves -


rubem alves
Sempre vejo anunciados cursos de oratória.
Nunca vi anunciado curso de escutatória.
Todo mundo quer aprender a falar…
Ninguém quer aprender a ouvir.
Pensei em oferecer um curso de escutatória,
mas acho que ninguém vai se matricular.
Escutar é complicado e sutil.
Diz Alberto Caeiro que…
Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas.
Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.
Parafraseio o Alberto Caeiro:
Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito.
É preciso também que haja silêncio dentro da alma.
Daí a dificuldade:
A gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor…
Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer.
Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração…
E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer,
que é muito melhor.
Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante
e sutil de nossa arrogância e vaidade.
No fundo, somos os mais bonitos…
Tenho um velho amigo, Jovelino,
que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64.
Contou-me de sua experiência com os índios:
Reunidos os participantes, ninguém fala.
Há um longo, longo silêncio.
Vejam a semelhança….
Os pianistas, por exemplo, antes de iniciar o concerto, diante do piano,
ficam assentados em silêncio…
Abrindo vazios de silêncio… Expulsando todas as idéias estranhas.
Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial.
Aí, de repente, alguém fala.
Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio.
Falar logo em seguida seria um grande desrespeito,
pois o outro falou os seus pensamentos…
Pensamentos que ele julgava essenciais.
São-me estranhos.
É preciso tempo para entender o que o outro falou.
Se eu falar logo a seguir…. São duas as possibilidades.
Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza.
Na verdade, não ouvi o que você falou.
Enquanto você falava,
eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala.
Falo como se você não tivesse falado.
Segunda: Ouvi o que você falou.
Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo.
É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.
Em ambos os casos,
estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada.
O longo silêncio quer dizer:
Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.
E, assim vai a reunião.
Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos.
E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.
Eu comecei a ouvir.
Fernando Pessoa conhecia a experiência…
E, se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras…
No lugar onde não há palavras.
A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa.
No fundo do mar – quem faz mergulho sabe – a boca fica fechada.
Somos todos olhos e ouvidos.
Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia,
ouvimos a melodia que não havia…
Que de tão linda nos faz chorar.
Para mim, Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio.
Daí a importância de saber ouvir os outros: A beleza mora lá também.
Comunhão é quando a beleza do outro
e a beleza da gente se juntam num contraponto.

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